sábado, 3 de maio de 2014

Kaxixó: a luta pelo reconhecimento de ser índio


O Capão do Zezinho, principal concentração do grupo, se localiza no município de Martinho Campos, na margem esquerda do Rio Pará, região centro-oeste de Minas Gerais, a 15 km do povoado de Ibitira, que por sua vez dista 180 km de Belo Horizonte. Capão do Zezinho é um pequeno vilarejo, com muitas árvores frutíferas e casas de alvenaria, água encanada e energia elétrica. Ao centro há um templo católico, ao lado da casa de ritual e do rancho de festas, ambos cobertos de capim e sem paredes. O primeiro é destinado às suas danças tradicionais e missas, enquanto o segundo é destinado aos festejos e comemorações. Neste vilarejo têm ainda um edifício onde funciona uma escola. Nas proximidades do Capão do Zezinho há outros três lugarejos de posse dos Kaxixó, que é a Fazenda Criciúma, Pindaíba e Fundinhos, estes dois últimos na Fazenda São José.

A descrição acima pode bem ser identificada como uma pequena cidade o interior da região de Minas Gerais construída através do processo de “aculturação”, onde se observa a predominância dos objetos culturais do mundo ocidental. Mas a região abriga uma história recente que nos remete a um passado longínquo: primeiro o reconhecimento do direito a ser índio, segundo a luta pela demarcação de terras.

Por muito tempo, os Kaxixó foram conhecidos como “Índios Caboclos da Vargem do Galinheiro”, hoje um bairro da cidade de Pompéu, antes conhecida como “Buriti da Estrada”, local de passagem obrigatória para os tropeiros, que lá se abasteciam com as galinhas criadas pelos “índios caboclos”. Os atuais Kaxixó são assim fruto da miscigenação de indígenas até então vivendo em liberdade com escravos de vários etnias, escravos negros e brancos da família da Dona Joaquina. Por isto, no grupo atual encontra-se pessoas de pele vermelha amorenada, cabelos pretos e lisos, como o ex-vice-cacique Jerry; pessoas negras, como o atual vice-cacique Zezinho; e pessoas brancas de olhos claros, como o cacique Djalma.

Em 1986, envolvidos num conflito de terras com fazendeiros, pediram ajuda ao Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Pompéu, revelando a estes a sua identidade. Na impossibilidade de oferecer ajuda efetiva, o Sindicato entrou em contato com o Cedefes (Centro de Documentação Eloy Ferreira da Silva), entidade que têm atuado na questão indígena do Estado. Desta forma, têm-se início a luta dos Kaxixó pelo seu reconhecimento étnico oficial, sendo realizado neste mesmo ano um levantamento histórico sobre o grupo pela indigenista Geralda Soares.

Em 1992, a liderança Kaxixó participou da II Assembléia Geral da Apoinme (Associação dos Povos Indígenas do Nordeste, Minas Gerais e Espírito Santo), recebendo apoio dos 24 povos indígenas ali representados. Enfrentando oposição de fazendeiros vizinhos desde o início, em 1993 surge a primeira resistência oficial por parte de governantes. O prefeito do município de Martinho Campos emite nota à imprensa repudiando a luta dos Kaxixó.

No ano seguinte, um laudo antropológico é realizado a pedido da Funai dando parecer contrário ao reconhecimento étnico do grupo. Os Kaxixó superam a frustração inicial e retornam à luta em 1995, quando participam da IV Assembléia Geral da Apoinme, onde são fortemente encorajados a continuar e logo recebem apoio da ABA (Associação Brasileira de Antropologia). Assim, em 1996 se fazem presentes na abertura do Programa de Formação de Professores Indígenas de Minas Gerais, e em 1998 iniciam sua participação na programação da Semana dos Povos Indígenas de Minas Gerais, organizada pelo Cimi e Cedefes.

Em 1997 solicitaram ao Cedefes a realização de um estudo sobre a história do grupo. Por meio de denúncias sobre a destruição de sítios arqueológicos na área por eles ocupada, tiveram acesso também à Procuradoria Geral da República, a qual instaurou um processo de investigação, incluindo um estudo sobre a identidade étnica do grupo, o qual teve parecer favorável.

Frente a tal parecer, a Funai solicitou, em 2000, uma nova análise antropológica, desta vez por um antropólogo indicado pela ABA. Em julho do mesmo ano saiu o resultado com parecer favorável e em dezembro o órgão indigenista nacional concluiu o caso, os reconhecendo oficialmente. Resta agora a restituição e regularização do seu território tradicional.

Dezesseis famílias, num total de 63 indivíduos, se envolveram efetivamente na luta pelo reconhecimento étnico oficial. Entretanto, o senhor Djalma, cacique Kaxixó, em 2002 afirmou que todo o grupo espalhado na região então somava 356 pessoas. A maior concentração está no Capão do Zezinho, mas há outros três lugarejos não muito distantes. Segundo levantamento da Funasa de 2006, havia 256 membros deste povo.

Os Kaxixó foram oficialmente reconhecidos como grupo étnico. Sua principal luta é pela conquista de suas terras tradicionais, sob posse de vários fazendeiros. Reivindicam uma área de 27.150 ha, enquanto atualmente ocupam insuficientes 35,28 hectares.

Contribuição: Celso da Silva Leite 



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