segunda-feira, 31 de março de 2014

Indios brasileiros - Grupo Tupi Guarani

                              
Segundo uma lenda muito antiga, Tupi e Guarani eram dois irmãos que, viajando sobre o mar, chegaram ao Brasil e com seus filhos povoaram o nosso território; mas um papagaio falador fez nascer a discórdia entre as mulheres dos dois irmãos, donde surgiram a desavença e a separação, ficando Tupi na terra, enquanto Guarani e sua família emigraram para a região do Prata. No entanto, a pesquisa científica afirma que o grupo Tupi-Guarani é originário da região hoje chamada de Rondônia, donde o ramo Guarani emigrou para o sul, penetrando no Paraguai, enquanto o ramo Tupi penetrava no Brasil, estendendo-se por todo o seu litoral, desde o Rio Grande do Sul até o atual território do Amapá. Esta notável movimentação dos Tupi-Guarani prende-se à busca de uma espécie de Paraíso, onde os homens poderiam refugiar-se quando chegasse o fim do mundo, e que estaria colocado na direção leste, além do grande mar (Atlântico). Por isso, cada vez que a situação se tornava calamitosa, os Tupi, sob o comando de um pajé ou de um profeta, empreendiam a longa caminhada em busca da "terra-sem-mal".
 O Mito, recolhido entre os Apapocuva, guaranis originários do Mato Grosso mas estabelecidos no Estado de São Paulo, diz o seguinte: Nyanderuvusu, "nosso pai grande", ser principal da mitologia apapocuva, criou o mundo e a primeira mulher, Nyandesy, "nossa mãe", que concebeu dois gêmeos, mas foi devorada por uma onça, que respeitou as duas crianças, Nanderykey e Tyvyry, identificados com o sol e a lua. Nyandesy sobrevive na "terra-sem-mal", onde os homens vivem eternamente felizes. Pode-se pensar em uma influência da escatologia cristã, mas o mito motivou já antes da vinda dos portugueses as grandes emigrações do grupo Tupi-Guarani.

Como se vê neste mito, a concepção de um Ser Supremo não é muito clara, mas muitos outros mitos falam de um formador do mundo (da terra, do sol, da lua, dos homens, dos animais...) e fundador dos costumes humanos, de modo que não se pode duvidar da crença geral em um monoteísmo implícito. Muitas vezes o Ser Supremo dá existência, diretamente ou por meio de uma "Grande Mãe", a dois gêmeos, que assumem as funções de "heróis civili- zadores", identificados, como vimos acima, com o sol, a lua. Aliás, o solarização (fenômeno da identificação do Ser Supremo com o sol) é uma constante em toda a mitologia dos indígenas brasileiros.
Entre os Mundurucu, tupis do Tapajós, Caro Sacaibu é um deus criador onisciente e herói civilizador, pois ensinou aos homens a caça e a agricultura. Maltratado pelos mundurucu retirou-se ao mais alto do céu, onde se confunde com a cerração. No fim do mundo, queimará os homens no fogo. Mas é benévolo e atende as preces dos que a ele recorrem (antes da caça, da pesca, nas doenças). Castiga os maus e acolhe benignamente os bons. 
Entre os Tupinambás (Estado da Bahia), Monan é um Ser Superior que criou o céu, a terra, os pássaros, os animais. Mas os homens mostraram-se maus e, por isso, Monan enviou Tatá (Tatá-manha = Mãe-Fogo) que consumiu tudo. Só se salvou Irin-Magé, que Monan tinha levado ao céu, e que se tornou o "herói civilizador" da nova geração de homens, com o nome de Maire-Monan, do qual descende Sumé, o grande pajé, que gerou os dois gêmeos Tamendonaré (Tamandaré) e Aricute, que se odiavam de morte, donde a constante rivalidade entre as duas tribos que deles descendem, Tupinambá e Tomimi. 
Segundo Couto de Magaiháes (O Selvagem, 1874), os Tupi faziam descender de um Ser Superior antigo as três grandes divindades: Guaraci, o sol; Jaci, a lua; e Ruda, o amor. Guaraci criou os homens e dominava sobre as seguintes entidades sobrenaturais: Guairapuru,protetor dos pássaros; Anhangá protetor da caça dos campos; Caapora, protetor da caça da floresta. Jaci criou os vegetais e dominava sobre as seguintes entidades sobrenaturais: Saci Cererê, espírito zombeteiro; Mboitatá, a serpente de fogo; Urutau, pássaro de mau agouro; Curupira, guardião da floresta. De Ruda, guerreiro que reside nas nuvens, dependem Cairê, a lua cheia, e Catiti, a lua nova.
Infelizmente, os sábios deram em geral mais atenção aos costumes dramáticos dos indígenas do que aos seus ritos secretos, do que resulta conhecermos muito bem os costumes canibalescos dos Tupi, mas muito pouco as suas verdadeiras crenças religiosas.
No entanto, uma coisa é certa: Os Tupi-Guarani possuíam na figura do pajé um elemento religioso de primeira plana, como o xamã dos mongóis siberianos. Estruturalmente, o fenômeno é o mesmo: assim como o xamã siberiano, o pajé é ao mesmo tempo médico, sacerdote, psiquiatra, pois ele cura, dirige as preces, aconselha, empregando não só ervas medicinais como também o transe extático, no qual entra em contato com os espíritos em benefício de seus clientes. Notemos que o pajé não se deixa possuir dos espíritos, como no Candomblé africano, mas, como no xamanismo siberiano, apossa-se dos espíritos e às vezes sai em busca da alma do enfermo, que o abandonara, causando-lhe o estado doentio, para fazê-la retornar ao corpo e restituir-lhe a saúde.
Certamente, podemos encontrar entre os pajés a esperteza dos charlatães e a maldade dos feiticeiros, mas estes elementos são antes deturpações do verdadeiro significado da pajelança, pois esta tem por intento precípuo ajudar o indígena em suas aflições. 
Outro elemento típico do xamanismo é a crença na "alma" humana, como entidade espiritual, a qual não se extingue com a morte corporal, mas, transformando-se em "anguera", empreende uma longa viagem em busca da "terra-sem-mal". 
Afora os ritos de dança, que serviam para comemorar todos os acontecimentos sociais, como o casamento, a guerra, a morte, o que mais impressionou os antigos autores foi o "canibalismo ritual" dos Tupi-Guarani. Referimo-lo aqui para esclarecer que não se trata de um fenômeno religioso, como acontece entre os Astecas, mas de um rito puramente social, muitas vezes ligado ao rito da iniciação dos jovens guerreiros, os quais, sacrificando um prisioneiro, mostravam a sua maturidade tribal.
Aliás, alguém já sustentou que o canibalismo é um fenômeno socioeconômico, pois aparece sempre onde falta a caça abundante para suprir o grupo de proteínas. De fato, nas Américas o fenômeno está mais ou menos restrito aos Astecas, que não dispunham de grande caça, e aos Tupis, que se estendiam pelo litoral brasileiro. 
                                                                                                    


                           Contribuição: Andréia de Souza Werner                                                                     

Xamanismo


por Pedro de Niemeyer Cesarino (2009)
"Xamanismo" é algo que não se reduz a uma só definição ou explicação. Religião, crença, ritual, sistema de pensamento, ontologia, configuração de mundo: tais são algumas das categorias polêmicas que surgem à mente quando se trata de fazer uma breve apresentação sobre o assunto. O termo, genérico e mal compreendido, é empregado para designar um sistema ritual dos mais antigos da humanidade, partilhado por povos que se estendem da Ásia até o extremo sul da América. "Xamã" parece derivar de çaman, palavra empregada pelos Evenks siberianos para designar os seus especialistas rituais. É análoga a "pajé", derivada por sua vez de termos das línguas tupi-guarani também utilizados na referência a tais especialistas. Cada uma das línguas ameríndias possui seus termos equivalentes, em qualquer parte dos três continentes.O xamanismo representa, assim, uma base comum aos povos autóctones da Ásia e das Américas, já que este continente foi ocupado por sucessivas migrações provenientes do primeiro. Mais antigo, o xamanismo foi sobreposto por grandes religiões tais como o budismo, o confucionismo, o taoísmo, o cristianismo e o islamismo. Algo análogo ao que ocorre no Brasil, quando os xamanismos indígenas passam a se defrontar com o credo católico ou protestante. Esta é, aliás, uma boa maneira para se compreender um dos traços essenciais do fenômeno: o xamanismo nem sempre desaparece no enfrentamento com grandes sistemas religiosos. Talvez porque não possa ser compreendido exatamente como uma "religião", ele acaba por se infiltrar, por subverter ou por sobreviver às tentativas de conversão que, no Brasil por exemplo, são realizadas desde a invasão européia. Tratamos, afinal, de uma certa organização ou configuração de mundo que não possui um dogma estabelecido, um conjunto de doutrinas ou alguma escritura sagrada, uma liturgia fixa, um corpo de sacerdotes organizado em torno do Estado e, mais importante, uma fé em alguma divindade única. Difícil, portanto, definir o xamanismo como uma crença. Tais ausências são especialmente válidas para os povos indígenas das terras baixas da América do Sul, ou seja, para aqueles que não viveram sob o domínio de organizações estatais, tais como o império Inca. A mediação exercida pelos xamãs amazônicos tem mais a ver com uma certa diplomacia, uma forma de traduzir e de conectar os humanos viventes à multidão de espíritos, de almas de mortos e de animais que constituem as cosmologias indígenas. Nestas, não há exatamente deuses que encarnam ou que detém poderes sobre fenômenos naturais, para os quais são erguidos templos e oferecidos sacrifícios (como no caso dos Aztecas ou dos Mayas). As entidades com as quais os xamãs indígenas se relacionam são de outra ordem. Ao invés de despachar uma vítima sacrificial como intermediária entre deuses e humanos, os xamãs vão em pessoa encontrar os espíritos e demais sujeitos que habitam os seus mundos.
Xamanismo sem xamãs
O xamanismo, aliás, não se concentra tanto em cargos definidos, tal como no caso dos sacerdotes, mas sim em processos de transformação e de transporte para as moradas destas entidades outras. Não por acaso, algumas sociedades indígenas, tais como os Parakanã do Xingu, possuem um xamanismo sem xamãs. Na ausência de um especialista ritual determinado, são as pessoas comuns que, em sonho, encontram espíritos e trazem deles os cantos que serão executados mais tarde na aldeia, quando o sonhador já estiver desperto. É como se todos fossem de alguma forma um pouco pajés e pudessem, ao seu modo, estabelecer contato com a multidão de entidades invisíveis. O surgimento súbito de um xamã é também algo possível: em um momento de crise, em geral caracterizado por uma grave doença, um sujeito pode começar a estabelecer contato com "pessoas outras" que renovam seu corpo, trocam seu sangue, introduzem elementos mágicos em sua carne, ensinam-lhe cantos. Diz-se então que a pessoa "empajezou", transformou-se em uma pessoa outra. Agora será dotada de "um outro olho", capaz de enxergar o que é invisível às pessoas comuns (ao menos em seu estado desperto).
Todos esses fenômenos estão relacionados a uma composição básica da pessoa nos mundos indígenas. Há sempre uma divisão entre o corpo e ao menos duas almas ou duplos – uma que se transformará em fantasma ou espectro após a morte, outra que terá um destino especial, celeste em muitos casos. O corpo, porém, não é um feixe fisiológico tal como o concebido pelos médicos ocidentais, mas uma espécie de invólucro, de envelope, carcaça, pele ou roupa que abriga as almas de aparência humana. Em estados liminares tais como sonhos, doenças, ou ingestão de substâncias psicoativas, a alma sai de seu corpo/roupa e perambula por aí. Vai encontrar outras aldeias, espíritos, homens e mulheres que os olhos "do corpo" não conseguem enxergar. É nesse ponto que mito e xamanismo se relacionam.
O que é um mito?
Em uma entrevista, fizeram a Claude Lévi-Strauss a seguinte pergunta: "O que é um mito?". E o antropólogo assim respondeu: "Se você perguntasse a um índio americano, é muito provável que ele respondesse: é uma história do tempo em que os homens e os animais ainda não se distinguiam. Esta definição me parece muito profunda"1. As narrativas míticas ameríndias de fato giram em torno deste tema: houve um tempo em que a imagem geral do cosmos era uma imagem "humana", todas as espécies partilhavam uma forma humana genérica, até que algum evento de ruptura interrompeu tal estado primeiro, instaurando os limites, as diferenças e o problema da invisibilidade. Daí em diante, os animais, frequentemente por conta de algum erro que cometeram nos tempos míticos, ganham corpos/roupas de onça, anta, porco do mato ou de outros bichos, mas continuam com a mesma alma humana que sempre possuíram. Os humanos, por sua vez, são os únicos que mantém o seu corpo à semelhança desta alma genérica, ainda partilhada por todas as entidades que compõem isso que chamamos de "natureza".
 Veja o que diz o xamã yanomami Davi Kopenawa:
"No começo do tempo, quando nossos antepassados ainda não tinham se transformado em outros, éramos todos humanos: as araras, os tapires, os queixadas, eram todos humanos. Depois, esses antepassados animais se transformaram em caça. Para eles, porém, somos sempre os mesmos, somos animais também; somos a caça que mora em casas, ao passo que eles são os habitantes da floresta. Mas nós, os que ficamos, nós os comemos, e eles nos acham aterrorizantes, pois temos fome de sua carne"2.
 Ora, mas os tempos míticos não se esgotaram. Para os povos indígenas, eles continuam suspensos ou paralelos à atualidade. Muitos animais seguem pensando para si mesmos que são gente, enquanto nós os enxergamos em seus corpos/roupas de bicho. Quando o duplo ou alma de uma pessoa sai para fora de seu corpo, ele pode ver aquilo que antes permanecia velado: as aldeias sub-aquáticas e suas festas; o duplo ou alma humanóide de uma arara; uma árvore que, para os olhos alterados, se mostra como uma sociedade, pois os periquitos podem muito bem se conceber como pessoas e viver, portanto, em malocas. O antropólogo Eduardo Viveiros de Castro formulou bem o problema através de um contraste interessante: os mundos indígenas são multinaturalistas, concebem uma multiplicidade de naturezas (os diferentes corpos dos bichos) e uma unidade da cultura (a cultura humana partilhada por todas as espécies). O mundo ocidental, por sua vez, é multiculturalista, imagina uma multiplicidade de culturas (chinesa, francesa etc.) e uma só natureza. Nesta concepção, animais são radicalmente distintos dos humanos por não possuírem, precisamente, uma alma pensante análoga à nossa e, portanto, uma cultura. Aproximam-se de nós por serem mamíferos, por partilharem de uma natureza comum, enfim. O pensamento indígena pressupõe o contrário: os bichos são próximos de nós porque para si mesmos se concebem como gente e possuem, portanto, uma cultura (malocas, redes, festas, pinturas corporais, cocares e adornos) semelhante a esta visível nas aldeias. Mas os corpos são outros.
E o xamanismo?
Ora, isso tudo é o xamanismo, essa especial constituição de realidade e de ética cosmológica. Os xamãs, diplomatas ou tradutores, como diz a antropóloga Manuela Carneiro da Cunha, são os responsáveis pelo arriscado trânsito de almas para além dos corpos. Um homem comum pode, na doença por exemplo, ver a gente-sucuri em suas casas (que sadio ele veria como o rio) e ser seduzido por uma bela mulher-sucuri. Ele passaria então a viver ali com a sua família sub-aquática sem se dar conta de que, na outra aldeia, seu corpo definha e preocupa a sua família "humana". Ele está doente porque incompleto ou vazio, pois a alma ou duplo está alhures com a nova mulher-sucuri. Um xamã deverá então trazê-lo de volta ao seu corpo e, assim, resolver este problema social espalhado pelo cosmos. Situações como esta acontecem com freqüência nas aldeias indígenas. O xamã ou pajé está, a rigor, acostumado com tais trânsitos. Ele já é outra pessoa, pode ter uma família com os humanos-outros, vive sempre entre duas referências, transita entre as gentes dos animais, os espíritos, as almas dos mortos. Costuma trazer de lá notícias através de seus cantos e, assim, integra o enorme contingente de entidades invisíveis ao cotidiano das aldeias. Não por acaso, alguns índios da Amazônia costumam dizer que o pajé "é como um rádio". Um dos grandes erros está em imaginar que o xamanismo é uma espécie de mística new age, ou então uma tradição fadada ao desaparecimento pelas transformações sociais e pela problemática idéia de aculturação. O xamanismo – esta rede ou malha de conexões entre princípios anímicos que vivem por detrás dos corpos visíveis – é algo por princípio criativo e voltado para a alteridade. Exímios negociadores das multiplicidades sociais presentes desde os tempos míticos, os pajés sabem traduzir em seus próprios termos as novidades de nosso mundo. 
Os Maxakali são um emblema disso. Confinados em uma terra de Minas Gerais agora repleta de capim, privados da caça e do acesso à paisagem na qual outrora viviam, não deixaram entretanto de possuir uma intensa e fascinante produção ritual. Antenados, fizeram em certa festa um telefone celular de argila, utilizado para a comunicação com os espíritos das lontras3.
Notas
1. Lévi-Strauss, Claude & Eribon, Didier. De perto e de longe – entrevista com Claude Lévi-Strauss. Rio de Janeiro, Nova Fronteira, 1988. 
2. Kopenawa apud Viveiros de Castro, Eduardo. "A floresta de cristal". Cadernos de Campo 14/15, 1998, pp. 319-338.
3. Imagens do filme Hemex e Xunin, Terra Indígena do Pradinho, 2005 (acervo de Rosângela de Tugny). 
 Contribuição de Andréia de Souza Werner


Índio Ticuna durante ritual, Belém do Solimões, Terra Indígena Évare I, Amazonas. Foto: Frei Arsênio Sampalmieri, 1979

Os mitos contam como as coisas chegaram a ser o que são. Contam como as divindades, os homens, os animais e as plantas se diferenciaram. Os rituais, por sua vez, fazem o caminho inverso dos mitos. E, não por acaso, eles se dispõem muitas vezes a contar o mito, a recriar o mito, promovendo uma espécie de retorno a esse tempo de indiferenciação geral em que divindades, homens, animais e plantas se comunicavam entre si, e produziam sua existência por meio dessa interação. As populações indígenas acreditam que esta comunicação, esta interação deve se dar de maneira mediada e é indispensável para a produção de pessoas e da própria sociedade. Afinal, é do cosmos mítico que são extraídas as matérias-primas para a constituição das pessoas e da sociedade. Perder de vista esta comunicação, esta interação é entregar-se à inércia, à permanência num mundo sem sentido.
Os rituais de iniciação, por exemplo, consistem em fazer com que neófitos [iniciantes] sejam separados do convívio social e, assim, se submetam a um estado de liminaridade no qual a fronteira do mundo social, humano, parece borrar-se. É somente passando por esse estado de liminaridade que o neófito poderá voltar a este mundo, agora de maneira transformada.
Os rituais funerários, de sua parte, consistem em separar os vivos do morto, fazendo que o último retorne ao outro mundo, mundo não-humano. Toda morte coloca os vivos, nela envolvida, num estado de liminaridade. Por isso não é de se espantar que os rituais funerários ou pós-funerários sejam, entre os povos indígenas, muitas vezes aproveitados para a realização da iniciação de jovens.

Podemos dizer que essa comunicação ritual se estabelece entre seres humanos e seres não-humanos, como espíritos, divindades, donos de espécies naturais, subjetividades que habitam corpos animais e vegetais etc.; todos dotados de diferentes potências. Mas não podemos esquecer que essa comunicação acaba por se fazer entre pessoas de proveniências distintas: gente de outras aldeias, de outros territórios e mesmo de outras etnias.
Os rituais indígenas são uma celebração das diferenças. Em primeiro lugar, das diferenças entre os seres que habitam o cosmos. Os humanos sabem que muito do que possuem – aquilo que chamamos de cultura – não foi meramente “inventado” por eles mesmos, mas sim tomado, no tempo do mito, de outras espécies, e mesmo de inimigos há muito não vistos. Os rituais indígenas são, além disso, uma celebração das diferenças entre os próprios seres humanos, diferenças sem as quais não haveria nem troca nem cooperação. E para celebrar essas diferenças uma intensa trama de prestações – de comida e bebida, sobretudo, mas também, em certas ocasiões, de cantos e artefatos – é posta em movimento.


Contribuição : Dirce Maria Cruz Ribeiro


Ritual: Funeral Bororo
Etnia: Bororo
Localização: Estado do Mato Grosso
“Os funerais indígenas são momentos importantes que marcam a socialização de um indivíduo ou a passagem de um grupo de uma situação para outra. Eles marcam momentos constituintes da identidade dos indivíduos nas diferentes fases da vida, incluindo a passagem para o mundo dos mortos. Manifestam as relações entre o mundo social e o mundo cósmico, entre o universo natural e sobrenatural. A maioria dos rituais são planejados com antecedência, envolvendo grande quantidade de alimentos, confecção de artefatos e convites para parentes e aliados.”


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Os Bororo possuem uma intensa vida cerimonial. Os rituais mais importantes são os de- nominação (definição de nomes das crianças); a perfuração do lóbulo das orelhas e lábio inferior; a festa do milho novo.
O mais importante é o Funeral. É  o mais elaborado e mais longo dos Bororo. Pode de durar até três meses, pois é necessário esperar a decomposição do corpo para que se possa proceder a ornamentação dos ossos.  O defunto, no primeiro enterro, é colocado em uma cova rasa no pátio da aldeia. Diariamente a cova é regada para acelerar o processo de decomposição. Durante esse período inúmeros rituais são realizados: danças caçadas, refeições, representações de espíritos, abluções, escarificações, incineração de pertences do finado, entre outros. O funeral mobiliza todas a sociedade Bororo (índios vindos de outras aldeias), os mortos, evocados por seus parentes, e até mesmo  elementos da natureza.
Todos os membros, quando da sua morte, são cultuados segundo o mesmo ritual. No entanto, há um ritual em que o índio prepara-se para morrer. Trata-se do índio que está muito doente, quase agonizante. Ele procura o xamã para que esse o examine, receite os remédio etc. Se, no entanto, ouvir do xamã que nada mais pode fazer por ele, sabe que a sua sorte está selada e que, muito breve. A partir desse momento o moribundo prepara-
se para receber a morte.
No momento em que a doença se agrava, os parentes chamam o Xamã, que junto ao enfermo estendido numa esteira no chão, dirá se ele vai morrer ou não. Prediz, às vezes, quantos dias durará a agonia. Se isto acontecer, os parentes suspendem a alimentação do doente e os parentes espalham urucum em todo o corpo do enfermo, que é enfeitado de penas e plumas. E como nos preparativos de uma festa, iniciam longos cânticos que persistirão em todas as fases do extenso funeral fúnebre. Se, por acaso, não morre no dia previsto, o Bari  ou um parente se encarrega de tornar verdadeira a profecia.

Obs.: Bari e Xamã tem o mesmo significado. Um é sinônimo do outro.

A Morte e exumação

Sobrevindo a morte, o corpo é coberto, para que as mulheres e crianças não o vejam. Começam os gritos e lamentos em altas vozes, que são ouvidos em toda a aldeia. Nessa ocasião verifica-se a mais impressionante fase do ritual Bororo: os parentes cortam o próprio corpo com uma concha afiada e deixam o sangue correr em grande quantidade sobre o cadáver. Durante o ritual fúnebre esta cena poder ser presenciada várias vezes.
Do sepultamento à exumação, ainda como parte do ritual do funeral, há uma caçada que os Bororo fazem, passados dois ou três dias do enterro. A finalidade desta fase do rito é matar a fera mori (vingança ou retribuição), o que deverá ser feito pelo caçador que representa a alma do defunto. No dia da exumação, à hora do crepúsculo, recomeçam os prantos que varam a noite, sem interrupção. Ao amanhecer, ao canto do kiegüe baregue (pássaros e feras), é desenterrada e aberta a esteira onde está o cadáver. O volume macabro é levado para perto do rio ou lagoa. Os ossos retirados da carne em putrefação e lavados com indiferença, pelos jovens, são colocados em uma cesta, levados de volta à aldeia, onde todos já estão aguardando. Os homens tiram o crânio lavado da cesta, pintam-no com urucum e escondem debaixo de penas para que as mulheres não o vejam. E outros rituais se seguem. Em determinada manhã, os parentes pegam a cesta dos ossos, vão a um rio ou lagoa já determinados. Na parte onde as águas são mais profundas descem a cesta e fincam-na no fundo com um pau que fica fora d’água. Essa lagoa ou rio é a “morada das almas”.

Fonte:


                                                              Contribuição : Rubiléia Pamplona de Figueiredo

AS BONECAS DE CERÂMICA DAS KARAJÁ



Esta confecção de bonecas de barro é tradição cultural secular ao lado do Rio Araguaia.
É um momento das mães passarem a educação ludicamente pras filhas crianças, pois os seus costumes são explicados na modelagem da argila e nas pinturas com pigmentos naturais.
Com o contato com não indígenas interessados em adquirir as peças de cerâmica, difundiu-se esta arte e hoje se tornou uma fonte de renda para as aldeias.
Observem os vídeos postados anteriormente, o relato criterioso da tradição por uma Karajá e a grande conquista para esta preservação com o reconhecimento oficial de patrimônio cultural.
A foto das bonecas antigas ajuda a perceber a dinâmica das mudanças na elaboração e representação dos costumes.
Postado por Marta Prata Soares

domingo, 30 de março de 2014

Fico aqui pensando, o que faz neste momento nossos índios? São 19h13min horário de Brasília e o que faz cada uma das 220 etnias e nos seus mais variados dialetos? Nós que somos considerados há séculos como civilizadores vivemos um ritual comum de não fazer nada, afinal para isso que serve o Domingo não é verdade? Aí vem o meu questionamento, o que fazem nossos nativos enquanto nós enchemos nossas mentes de poluição via TV e outros meios...
O que fazem eles?
A grande maioria das comunidades reúne para rodas de conversas, nelas o idoso tem o respeito garantido e a tradição é passada aos demais.
Perdemos o ponto norteador de nossa sociedade quando deixamos de lado nossos idosos, e ainda não acordamos para rever esta penosa situação.
Não somos humildes o bastante para imitar nossos nativos na sua filosofia linda de vida, estamos em meio a um vendaval social e mesmo assim ditamos regras e normas.
Quando não podemos entender bem usamos estórias, vejam esta: Contam que “certa vez uma linda índia, apaixonada, quis transformar em estrela. Na esperança de ver seu sonho realizado, a linda jovem lançou-se às águas misteriosas do rio, desaparecendo em seguida.
Iaci, a lua que presenciou tudo, num instante de reflexão, apiedou-se dela por ser tão linda e encantadora. Deu-lhe como prêmio a imortalização aqui na terra. Por não ser possível levá-la para o reino astral, transformou-a em vitória-régia (estrela das águas), doou-lhe um adorável perfume e espalmou-lhe as folhas para melhor refletir sua luz, nas noites de lua cheia.”

Temos muito que aprender com nossos Nativos, usam a poesia para explicar aquilo que mais temos dificuldades de conceituar, a beleza de uma pessoa pode ser imortalizada em uma flor por um encanto mágico, penso que também nós deveríamos acreditar em magia, quem sabe com magia consigamos fazer nossos jovens ver a beleza de ouvir nossos idosos, magia também seria útil para reunir jovens junto aos idosos em uma noite de domingo só para ouvir, ouvir e sonhar, e sonhando no hoje em uma perspectiva de construção de um futuro sólido e verdadeiro, a construção de um Brasil onde todas as raças terão espaço para expressar! Até lá ficarei vendo a lua na esperança de imortalizar o que sinto pelo Brasil.
Junio 
Carmo do Rio Claro

sábado, 29 de março de 2014

Bonecas Karajá antigas

Acêrvo Museu do Índio Uberlândia - Foto de Maycon Rangel
Postado por Marta Prata Soares

Religiosidade dos povos indígenas



"A relação com a terra passa pela questão religiosa. A terra é o espaço de vida, lugar para se viver bem, ela é chamada de "Mãe Terra". O cotidiano da vida está impregnado de religiosidade. As tradições religiosas indígenas são diferentes entre si, há uma diversidade de povos e culturas que se distinguem no tipo biológico, línguas, costumes, ritos, organização social, etc. As práticas religiosas caracterizam-se de ritos de defumação, entoação de cantos, uso de instrumentos musicais, incorporação, transe e uso de remédios retirados das plantas e ervas. O Transcendente (Deus) em algumas tribos é compreendido como um ser natural, bondoso, que gosta de todos e que está em paz com todos os seres. Os mediadores entre os espíritos e membros da comunidade são os xamãs, também chamados de pajés, os quais exercem a função de sacerdotes e médicos. O texto sagrado é transmitido de forma oral. São histórias míticas que os sábios anciões contam oralmente para toda a tribo, preservando assim a sabedoria e a tradição. Atualmente, porém, algumas comunidades indígenas utilizam a escrita."

Referência: ensinoreligiosonreapucarana.pbworks.com/E.R.%20TRADIÇÕES%20


Um abraço, Berenice Outeiro.